sexta-feira, julho 5, 2024
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A dificuldade na vida dos autistas

Cintia ZachéAmor e dedicação não faltam. Mas elas querem além disso, inclusive que os filhos sejam respeitados com tratamento e educação especializada

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A sentença é amarga: seu filho é autista. O chão se abre e vem a mistura de sentimentos, de não aceitação e proteção ao mesmo tempo. O bebê quando está dentro da barriga da mãe, é imaginado com saúde e feliz, ninguém quer ver um filho sofrer, não adianta criar voltas e disfarçar, porque esta é a verdade.
Ao descobrir que aquele ser que você colocou ao mundo ou que tenha sido adotado, sofre de Transtorno do Espectro Autista (TEA), chorar, se culpar, sentir raiva, rir e se emocionar, faz parte da vida de muitas famílias. Várias vezes, e não necessariamente nessa ordem, as mães entrevistadas aqui, já fizeram isso, mesmo que nem sempre tenha sido nesta ordem.
Ter uma criança que não corresponde a brincadeiras, que não tem uma conexão de frase ou nem fala, que quando há um aniversário ou uma ida ao parquinho, ela não consegue ficar em contato com outras crianças, não traz sossego ao coração de nenhuma mãe. Imagine então, se de repente, em fração de segundos, o filho não está em casa mais, fugiu. Cadê a, onde está aquele filho que não sabe se comunicar, e também não tem a menor noção de perigo? Conviver com isso não é fácil, não é bonito, nem confortável.
Levando em consideração a todas estas e outras questões, saber e vivenciar, sentir na pele o que é o preconceito, também é tarefa árdua. Como se não bastasse, há a falta de estrutura social, para que aquele ser que foi desejado com tanto amor, tenha os amparos de uma vida e da lei, como por exemplo, saúde e educação especializada. Só que, nada disso, geralmente, faz parte da rotina dos portadores de TEA, transtorno que afeta 1% da população mundial.
Na edição de hoje, vamos mostrar o desabafo de algumas mães, que mesmo com todo amor e dedicação que possuem pelos seus filhos portadores do transtorno, enfrentam muitos desafios no dia a dia, quando o assunto é proporcionar cidadania aos seus filhos autistas.

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Autismo leve

Alessandra dos Santos se preocupa com o futuro de Kaio
Alessandra dos Santos se preocupa com o futuro de Kaio

“Descobrimos que o Kaio é autista quando ele tinha seis anos. Eu não desconfiava, não tinha informação sobre o transtorno. Uma prima minha, que tem um filho portador de TEA, quem despertou para o fato. Fui observando o diagnóstico deu positivo. É tudo muito difícil. Kaio faz uso de medicação, tem nove anos, é verbal, mas não forma frases, não conta fatos. O autismo dele é leve, porém, é preciso ir ao neurologista. Tudo é fora do município, e particular. Pago a cada consulta R$ 250, e ainda tem o transporte. Hoje o Kaio está no quarto ano, tem professora auxiliar em colégio municipal. Mas e quando ele terminar o ensino médio, o que vai acontecer? Necessitamos de políticas públicas que incluam estas crianças num contexto, poderia ser uma sala de aula especializada com terapias ocupacionais. Fico muito preocupada com o futuro do meu filho, qual mãe não ficaria?”
Alessandra dos Santos Pimenta


Turma encerrada e Enzo sem estudar

 Sabrina optou por tirar Enzo da escola
Sabrina optou por tirar Enzo da escola

“O diagnóstico de que o Enzo é autista chegou quando ele tinha quatro anos e meio. Tivemos que enfrentar a estrada e levá-lo duas vezes por semana na Associação de Pais dos Amigos dos Excepcionais (Apae) de Boa Esperança, pois aqui não tinha vaga e nem, as terapias. Meu filho não fala e como a característica do TEA, tudo que conseguiu aprender até hoje, foi bem devagar. Enzo copia frases apenas, e hoje tem professor que dá aula particular em nossa casa para ele, duas vezes na semana. Fez até o nono ano em escola pública regular. Escolhi tirar o Enzo do colégio, a unidade onde ele estava, foram encerradas algumas turmas. Meu marido e eu não nos sentimos seguros de deixá-lo ir para um colégio maior. Onde ele estudava tinham poucos alunos, eu confiava, já na nova escola, não dá. Tenho medo de tudo, até dele fugir de lá, esses dias fugiu de casa. São muitos alunos, eu não iria ficar em paz. Os autistas de Nova Venécia tinham uma sala de aula de ponta e municipal. Toda estruturada e com professor capacitado. Foi fechada. Acredito que quem governa faz isso porque não tem uma criança dessas em casa, e não sabe quantas dificuldades enfrentamos. É um descaso, a professora foi paga com dinheiro público, e hoje não podemos usar o que pagamos, porque quem administra a cidade, acredita que nossos filhos mereçam nada, que é o que temos. Hoje em dia, já diminuímos o máximo nossa vida social familiar. Ficamos mais em casa, e os amigos mais íntimos frequentam nosso lar, pois é uma maneira do Enzo não ter crises, que é o que geralmente acontece com autista, quando está em um ambiente desconhecido, ou com pessoas menos conhecidas dele. O amor que tenho pelo meu filho é imensurável, e o desejo de protegê-lo também”
Sabrina Santana Modesto


Preocupações e o preconceito

Mayane Monteiro aproveita os intervalos da consulta, para passear com Bryan
Mayane Monteiro aproveita os intervalos da consulta, para passear com Bryan

“Quando o Bryan tinha dois anos e meio comecei a notar que algo tinha de errado. Ao tentar montar algum brinquedo e não conseguir, ele ficava muito irritado e batia a cabeça na parede, isso não é normal. Veio o diagnóstico e não foi fácil, até hoje não é. Não existe neuropediatra aqui, nem pelo SUS e nem particular. No SUS colocaram o nome dele para agendar consulta com psicólogo, quando ele tinha dois anos, aqui em Nova Venécia. Até hoje nunca fui chamada. Meu filho já está com cinco anos. Todo tratamento dele é no particular, gasto R$ 350 por consulta no neuropediatra, em Colatina, geralmente três vezes ao ano. Tem o desgaste da vigem, que para qualquer autista é um transtorno, ainda mais de ônibus, ele fica muito agitado. Vejo também que os pais não ensinam os filhos sobre como lidar com o ser humano. Na família, os primos riam dele, porque fazia tratamento na Apae. Riam porque em casa não é ensinado a realidade da vida, de que somos todos iguais, apesar das diferenças. Há o preconceito embutido nas pessoas. Se a criança zomba da outra, por estar frequentando uma escola como a Apae, é porque algo é dito de ruim a ela sobre esse lugar, e não deveria ser assim. O Bryan é verbal, porém ainda com muitas repetições na fala. Hoje já tivemos o avanço em algumas ações dele, como por exemplo, olhar para as pessoas ao falar com ele, antes não tinha isso. Ele estuda em uma escola municipal, e conta com professora auxiliar, o que tem ajudado demais. Não trabalho, pois o meu filho precisa de alguém com ele em tempo integral. Ele não toma banho sozinho, nem veste a roupa e para se alimentar, tem que dar na boca. Sou separada e cuido dele e da minha outra filha de três anos, sozinha. Estou preparando a irmã dele, para que se um dia eu faltar, ela tome conta do irmão. Os medos são muitos e somente o amor para superar tudo”
Mayane Monteiro


Ingrid quer ir à escola

Luciene dos Santos precisa de terapias ocupacionais especializadas, para a filha Ingrid
Luciene dos Santos precisa de terapias ocupacionais especializadas, para a filha Ingrid

“Tenho todas as dificuldade do mundo com a Ingrid e, hoje em dia, mais ainda. Ela está com 20 anos, terminou o ensino médio, e toda vez que passa o ônibus escolar, ela quer entrar nele. Não entende que a escola acabou. Ela não fala, não lê. O que vou fazer com a Ingrid agora? Minha filha está passando mal, já tive que a levar ao hospital várias vezes, pois a ansiedade dela é enorme, por não poder ir à escola mais. Já deu problema de pele e outras doenças, por conta da ansiedade. Vou tentando ocupar o tempo dela, mas ela me vê como mãe, não quer que eu a ensine, quer uma professora, quer ir à escola. Deveria ter uma sala de aula, que desse esta sustentação aqui no município. Meu marido e eu não temos condições financeiras de opções particulares. Eu não trabalho, fazia bicos no horário que ela estava na escola. Enfrento um leão por dia. Ela faz ecoterapia e para chegar até lá, depois de pegarmos o ônibus, ainda ando com ela uns 25 minutos no sol quente, às vezes mais que isso. Ela não quer sair de dentro do ônibus muitas vezes, pois assimila o estar comigo no transporte, em voltar para casa, e ela quer ir à escola. Eu vou fazer o que com ela? Estou levando duas vezes na semana, em aula de dança no Centro de Referência de Assistência Social (Cras), mas ela quer estudar, passa mal por não está no colégio. Precisamos de uma terapia ocupacional direcionada para nossas crianças, uma sala de aula com um profissional. O tratamento com neurologista dela foi interrompido, como trocou de pediatria para adulto, estamos esperando vaga desde novembro. Ingrid toma medicação duas vezes por dia. Está nervosa, agitada e preciso demais agendar o médico. Era em Vitória o tratamento dela, encaminhada daqui do Município. Mas agora não sei como vai ser, só sei que estamos sofrendo muito, não tenho condições de pagar particular, só meu marido que trabalha. Já eu, faço o que tem que ser feito, vivo por ela.
Luciene dos Santos


Dois de abril é o Dia Mundial da Conscientização do Autismo, e a Associação de Mães Especiais (Ame), de Nova Venécia, vai realizar um evento amanhã, dia 1, na Praça Jones Santos Neves, a partir das 9 horas.
Além de pula pula, picolé, pipoca, a Associação vai contar com estande com advogados da OAB, responsáveis por proporcionar orientações jurídicas, sobre os direitos das pessoas portadoras de TEA.
Cadastramento para os interessados em participar da Ame, e a presença da Equipe Gameleira EcoSaúde também estão na programação.

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