sábado, julho 6, 2024
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Da descoberta da doença ao lançamento de um livro

Ao invés de se entregar, Irene Pianissola mudou aquilo que poderia transformar em prostração, escreveu uma obra, e mesmo sabendo que é portadora de uma doença que não tem cura, criou um projeto para ajudar a quem precisa

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Livro será lançado em abril e traz trabalho independente, com 104 páginas

Irene Neta de Oliveira Pianissola, 41 anos, foi empresária, agente de endemias e por último, professora de matemática, e com muito orgulho. Hoje está longe da sala de aula há sete meses. O motivo? Descobriu ser portadora de ataxia espinocerebelar SCA3. Diante do diagnóstico, a aposentada afirma que tinha duas alternativas: lamentar ou arregaçar as mangas. Irene então, escolheu a segunda opção. A partir daí, está com tudo pronto para o lançamento de um livro de sua autoria, no dia 12 de abril, ainda com local não definido.

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Um trabalho independente, com 104 páginas, editado pela Editora Scortecci, com produção de capa feita pela agência veneciana Nexus, foi escrito por Irene durante quatro meses. Intitulado de Muito Além da Ataxia, a obra contempla mais de 80 poemas, todos escritos pela aposentada. Em cada poesia há uma dedicatória. Familiares, amigos, os brasileiros em geral, e médico, são alguns homenageados. Não podendo ficar de fora, os portadores de ataxia também têm poemas dedicados a eles. “A emoção em escrever e agora lançar esse livro é indescritível. Estou ansiosa, já tenho 190 unidades encomendadas”, conta.

A síndrome, que entre as consequências, leva a perda da fala e do andar, foi a mesma que também estimulou a aposentada a abrir um canal no Youtube, local onde ela conta seu dia a dia, dá dicas de como conviver com a doença e interage com portadores de ataxia. Com menos de um mês ativo, o canal já conta com mais de 170 inscritos.

A descoberta da patologia, aconteceu em julho do ano passado. Oito dias depois, foi a última vez que Irene entrou em uma sala de aula, o que para ela, foi muito difícil. O diagnóstico veio depois do neurologista que atuava em São Mateus, Fernando Bermudes Cabral, desconfiar, e encaminhar a paciente para São Paulo, local onde Irene ainda faz acompanhamento.

A ataxia da veneciana é hereditária, e já vem afetando sua família há três gerações.
Ataxia é um transtorno neurológico caracterizado pela falta de coordenação de movimentos musculares voluntários e de equilíbrio . É normalmente associada a uma degeneração ou bloqueio de áreas específicas do cérebro e cerebelo.


“Antes de receber o diagnóstico, as evidências eram claras. Eu tinha a mesma doença que matou minha  mãe, meu avô e meu tio. Junto a isso, atualmente têm em minha família, três irmãos e um tio na cadeira de  rodas, e um primo com os mesmo sintomas. Em seguida veio eu. Ninguém deles sabia o que realmente tinha. Fui para São Paulo e lá me deram a sentença, nunca encarei como sinônimo de morte. Primeiro veio o momento de choque, fiquei perdida, era tudo novo. Eu sempre gostei do meu trabalho, sou comunicativa, foi uma vida em sala de aula. Não conseguia me ver longe dos meus alunos e sem os movimentos lá na frente, entrei em desespero. Passando esta fase, comecei a estudar sobre o assunto. A ideia do livro partiu daí, a do canal na internet também. Nas redes sociais vi que não estava sozinha, muita gente passando pelo mesmo problema que eu, ou pior. As coisas começaram a tomar seu lugar e eu aceitei a síndrome, não tem outro jeito. Não me revoltei e nunca questionei a Deus, do porque isso aconteceu comigo. Agradeço ao Senhor sim, de ter podido estudar, o que me proporciona melhor qualidade de vida financeiramente e intelectualmente, para conviver com a ataxia. Meus filhos e marido são essências em meus dias, tenho amigas de verdade, não me abandonaram. Perdi minha mãe para essa doença, ela se foi sem saber o que tinha. Nos últimos quatro meses de vida, ela morou em minha casa, eu cuidei dela e participei do processo degenerativo final. É doloroso, minha mãe não comia mais, não falava, não andava. Vi meu tio passar tudo isso também. Não tinha como eu não me desesperar no primeiro momento, sei que também vou chegar a esta condição. Não tenho ideia de como vou enfrentar na prática, mas já mentalizei o que uma grande amiga disse: nós ataxicos não podemos andar com as pernas, mas podemos fazer isso com a mente. Conheci esta amiga em um grupo no Whatsapp, com público alvo nos portadores de ataxia. Fui até Belo Horizonte conhece-la. Trouxe comigo muitas experiências e ensinamentos, voltei mais fortalecida e pronta para batalha, não tenho outra alternativa”.

Irene Neta de Oliveira Pianissola

Cuidando de quem cuida de gente

Mesmo tendo uma doença que não tem cura e vendo seus movimentos se perdendo aos poucos, a Irene não deixou a autoestima cair. Ao invés de pensar somente nela, a veneciana desenvolveu um projeto chamado “Cuidar de Quem Cuida”.

Com a ajuda de um grupo, quando a equipe é requisitada, vai à casa de pessoas com problema de saúde, se dedicar a quem cuida do paciente. “Muitas vezes, o cuidador está mais doente do quem está enfermo. Vamos até as pessoas para levar um pouco de conforto, amor, companheirismo e claro, embelezamento”, fala.

O grupo escolheu o nome da ação de “Um Dia de Princesa”, oferecendo cabelo, unha, massagem e muito bate-papo, tudo por conta da equipe.

Além de todo histórico de luta, e amor ao próximo, a Irene não foi escolhida à toa para representar a classe feminina hoje. Entre 16 irmão, com 13 vivos, ela era a única na família a ter ensino superior, a irmã concluiu a faculdade ano passado, principalmente por incentivo dela.

Quem quiser receber a visita desta equipe mais que auto astral, é só entrar em contato com a Irene e acionar o grupo, elas estão aguardando; é tudo de graça. Doações de cremes, shampoos e qualquer produto também é bem vindo para elas.

“Cuido do meu esposo, ele tem ataxia também e fica na cadeira de rodas. Passo o dia me dedicando a ele, dou banho, coloco e tiro da cama, não tenho tempo para mim. Nem sei qual foi a última vez que fui ao salão. As meninas vieram aqui e fizeram meu cabelo, unha, maquiagem e massagem. Eu estava precisando, foi maravilhoso, me senti importante e cuidada”
Joselma Armano de Lourdes, 54 anos, dona de casa
“Minha mãe é acamada, faz hemodiálise e passo os dias cuidado dela. As meninas vieram aqui e fizeram minha unha, hidratação no cabelo, maquiagem e os cuidados foram estendidos a minha mãe também. Foi muito bom, é uma experiência fantástica. Nunca temos tempo para nós, quem cuida de alguém acamado, fica restrito. Quando elas quiserem voltar, vão ser bem vindas, amei”
Elisangela Santos Silva, 37 anos, dona de casa
“Foi uma manhã maravilhosa. Fizeram minha unha, cabelo e maquiagem. Acho que fiquei linda e maravilhosa. A alegria delas é contagiante, nunca veio alguém aqui em casa antes, cuidar de mim. Cuido da minha mãe de 95 anos, que anda bem pouco, minha vida gira em torno dela, não tenho tempo para mim, até massagem em minha mãe elas fizeram. Quero que voltem, foi bom demais”
Maria Elisa de Assis, 64 anos, dona de casa

Tratamento em São Paulo

Por conta da ataxia, Irene precisa ter sempre alguém por perto em seu dia a dia. As quedas são frequentes quando se tem esta doença, e com ela não é diferente. O tato também vai se perdendo, sendo constante objeto cair ao chão. Queimação nas pernas é a dor que a aposentada sente as vezes, o que ela conta ser bastante intensa.

“Estes momentos são perturbadores, horríveis. Tenho muita fé, sou católica e continuo com Deus presente a cada segundo da minha vida. Nunca tentei esconder a síndrome”, fala.

Casada com Luiz Carlos Pianissola e mãe de dois filhos, Irene faz fisioterapia, hidroginástica e têm consultas frequentes com psicólogo. As iniciativas são o que ajudam a veneciana a buscar melhor qualidade de vida, já que a medicina ainda não descobriu a cura e nem um possível processo de retardar a doença.

O acompanhamento da aposentada é no Hospital São Paulo, feito pelo Sistema Único de Saúde (SUS), local onde existe uma equipe especializada em ataxia. Irene foi encaminhada à unidade paulistana pelo seu médico de São Mateus, que atende somente particular, mas nunca cobrou uma consulta da paciente.

Para viajar em busca do acompanhamento, a aposentada conta com um programa do Ministério da Saúde, chamado de Tratamento Fora do Domicílio, que além de pagar a passagem dela e de um acompanhante a São Paulo, oferece R$ 70 por dia durante a estadia, para alimentação e hospedagem.

Um dos grandes alicerces de Irene é um grupo de amigas que ela participa, o Luluzinha. O companheirismo entre elas é tanto, que uma das participantes, a Maria Lesse Santos de Oliveira Damásio, deixou todas suas atividades durante as manhãs, para acompanhar a aposentada nas atividades físicas. Já a Maria Izabel Assis de Aguiar, acompanha a amiga em todos os lugares em que ela não pode ir sozinha. E as ações no Luluzinhas não param por aí, tem ainda a Kássia Fagundes, que virou massagista, a Luciene de Souza Ribeiro, a Rosenilda de Oliveira, e Lucenir Gonçalves, que não desgrudam da Irene. “A doença me trouxe muito medo. Saber que você vai perder todos os movimentos, que vai para uma cadeira de rodas e vai ficar acamada, não traz nenhuma perspectiva positiva. Mas o amor e paciência que tenho tido da minha família, dos amigos, isso me faz ir adiante, mesmo com um prognóstico de uma doença ainda incurável para o homem”, finaliza.

Fisioterapia é uma das atividades recomendada no acompanhamento do tratamento da Irene

Para tirar dúvidas e também interagir com quem também enfrenta o transtorno, existe um grupo nacional de Whatsapp em que Irene participa: Ataxicos e Amigos. Para acionar o grupo Cuidando de Quem Cuida, entrar em contato pelo telefone:
Irene (27) 997172089
Canal do Youtube da Irene: Muito Além da Ataxia

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