quarta-feira, junho 26, 2024
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Em decisão contra grupo de prefeita, juiz dá ‘aula de direito constitucional’ em Boa Esperança

Na decisão em que manteve página de críticas na internet, magistrado destacou que "figuras públicas têm a privacidade relativizada devido à atividade de interesse público que desempenham".

A Justiça Eleitoral determinou que uma página no Instagram destinada a críticas a agentes políticos de Boa Esperança, no Noroeste Espírito Santo, fosse recolocada no ar. A página havia sido removida a pedido da prefeita Fernanda Milanese (Podemos), que alegava que o perfil era anônimo, o que é proibido pela Constituição. Na decisão de derrubar a remoção da página, o juiz Charles Henrique Farias Evangelista, da 39ª Zona Eleitoral de Pinheiros, deu uma “aula constitucional” direcionada ao partido MDB, que assumiu a autoria da ação judicial. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o presidente do MDB na cidade é Romualdo Milanese, marido da prefeita.

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O juiz começa o “sermão” no despacho dizendo ” que a vedação ao anonimato na regra eleitoral, assegurada a livre manifestação do pensamento, tem como objetivo coibir, ao revés e sobretudo, ofensas contra a honra de atores do processo eleitoral, mediante ocultação maliciosa da autoria para se evadir de eventuais responsabilidades”.

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O magistrado afirma que foi veiculado uma suposta pesquisa eleitoral no perfil da página de críticas, bem como publicação de postagens direcionadas à gestão municipal, da qual não se tinha conhecimento acerca do responsável, e que por isso, foi determinado inicialmente a retirada do perfil do ar, e quebra do sigilo telemático nas palavras do juiz, “de forma a promover o exercício do direito à informação”.

Em cumprimento à decisão foram identificados os responsáveis pela página, tendo o ex-professor Wemerson Silva Nogueira apresentado contestação, solicitando que o perfil fosse novamente colocado no ar, e o direito a crítica e ao exercício da liberdade de expressão fossem assegurados, em conformidade com a Constituição. Neste ponto, o juiz diz não vislumbrar persistirem os motivos que ensejaram a suspensão do perfil vinculado à página, sobretudo pela identificação dos responsáveis, bem como observando o cunho das publicações, “do qual não se verifica exacerbação ao direito da livre manifestação do pensamento”.

Página critica ‘qualidade’ da gestão, diz juiz

O magistrado cita uma resolução do TSE, que estabelece que as ordens judiciais de remoção de conteúdo divulgado na internet serão limitadas às hipóteses em que, mediante decisão fundamentada, sejam constatadas violações às regras eleitorais ou ofensas a direitos de pessoas que participam do processo eleitoral, e que no caso em tela, observa-se que o intuito das postagens referidas ‘não era o de injuriar, caluniar ou difamar pré-candidatos, em especial a senhora Fernanda, mas, tão somente tecer crítica à qualidade dos serviços ligados à gestão municipal, da qual a mesma ocupa o cargo de prefeita’.

Magistrado fala em dissabores próprios da vida em sociedade

“Noutro ponto, os fatos narrados, embora de inegável desconforto íntimo, não representam dissabores além daqueles inerentes à vida em sociedade, principalmente aos quais se submete o ocupante de uma posição tão projetada e com atributos de extrema responsabilidade, na qualidade de Prefeita Municipal”, assina o juiz Charles Henrique Farias Evangelista.

Liberdade de expressão prevalece sobre o direito à intimidade, entende juiz

O magistrado cita outros precedentes de decisões judiciais sobre o mesmo tema. Em um deles, grifa que “o ocupante do cargo de chefia do Poder Executivo está sujeito naturalmente a críticas, reclamações e sugestões”, e ressalta que “tratando-se de pessoa que ocupa cargo público, principalmente os agentes de Estado, a liberdade de informação jornalística é ampliada em detrimento dos direitos de personalidade, à luz do princípio da razoabilidade”.

Em outro precedente juntado na decisão, o juiz destaca que “figuras públicas têm a privacidade relativizada devido à atividade de interesse público que desempenham”.

“Portanto, torna-se necessária, a ponderação quanto aos direitos constitucionais fundamentais, de modo que a exercício de um deles em favor de uma das partes não exclua a do outro, o que impõe ao intérprete procurar, na resolução do conflito, harmonizar os dois direitos. Ao dirimir tal conflito, o Estado deve verificar qual direito fundamental deve prevalecer, diante da colisão entre a liberdade de expressão, opinião e crítica e o
direito à vida privada, à honra e à imagem dos cidadãos”, conclui o juiz.

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