Setembro Amarelo é a campanha que tem a intenção de prevenir a interrupção da vida por si mesmo. Dados da Organização Mundial de Saúde dão conta de que, 90% dos casos de suicídio podem ser prevenidos, e que mais de 800 mil tiram a própria vida por ano, o que representa uma morte a cada 40 segundos.
No Brasil, 25 pessoas suicidam por dia. Falar sobre o suicídio sem alarmismo e enfrentando os estigmas, conscientizar e estimular sua prevenção, pode contribuir para reverter a situação.
Por isso, o Jornal A Notícia faz parte da Campanha Setembro Amarelo e hoje, traz uma reportagem com três entrevistadas que enlutadas, precisaram seguir a vida, mesmo após o suicídio em seus lares. Uma delas é a Maria Toscano. Henrique havia acionado um carro de aplicativo para ir à casa da mãe. Infelizmente, o destino final foi o mais trágico. O advogado não chegou aonde, de início queria ir. Ele interrompeu a vida, e além da saudade, sobraram muitas perguntas que dificilmente serão respondidas. Páginas 04 e 05.
Setembro Amarelo é uma campanha brasileira de prevenção ao suicídio, iniciada em 2015. E para mostrar a importância em falar sobre o tema, A Notícia entrevistou quem, infelizmente, precisa conviver diariamente com a dor da perda. Enlutados por ter perdido um familiar em uma tragédia contam como é lidar com a ausência e o trauma
O luto do suicídio
Manter-se de pé e superar o sentimento de culpa. Essa é uma das cargas que vai carregar por boa parte da vida, ou para sempre, quem enfrenta o suicídio de um parente ou amigo. O impacto da perda é tão grande, que muitos profissionais encarregados de prestar apoio psicológico chamam essas vítimas de “sobreviventes enlutados”. Quando essa pessoa que tirou a própria vida é um filho, o assunto é ainda mais doloroso, um verdadeiro buraco negro, que parece ser sem fundo. Há o julgamento das pessoas próximas, a imensa saudade, a ausência. Perder um filho em uma situação tão delicada como o suicídio deixa marcas profundas. Os entrevistados a seguir são unânimes em afirmar isso, é como se tivesse que lidar todos os dias com a presença da ausência.
A artista plástica Maria Toscano vem enfrentando a dor e a saudade deixada pelo filho. Henrique Toscano Campo Dall”Orto, 35 anos, desapareceu no último mês de junho e depois de 14 dias de procura, Maria precisou enfrentar a pior notícia. O advogado havia pulado da Terceira Ponte, entre Vitória e Vila Velha. Câmaras do prédio onde o Henrique morava, flagraram o advogado entrando em um carro de um aplicativo. Essas foram as últimas imagens capturadas de Henrique ali.
Sobrevivendo em luto também vive a Tereza Bulian da Silva, que perdeu o filho para a depressão. Há três anos, o Cleber Lúcio Bulian da Silva, que era mais conhecido com Cleber Borboleta, tirou a própria vida. Com 40 anos, Cleber se enforcou na varanda de casa. Enfrentando a depressão há cerca de sete anos, Borboleta trabalhava em uma empresa de energia e perdeu o emprego de muitos anos, pouco antes de se matar. Além dos pais e irmãos, Cleber deixou quatro filhos.
Já a Isabela Kiefer, 17 anos, perdeu a mãe. A depressão também foi a motivação que fez com que a Luciana Kiefer tirasse a vida aos 37 anos. Após ingerir a soda cáustica, a servente ficou ainda internada no hospital, e revelou que não queria morrer. Abaixo, três histórias que tiveram um triste desfecho.
O sumiço e a notícia do suicídio
“Jamais passou pela minha cabeça que o Henrique fosse fazer uma coisa dessas. A mim ele nunca nem cogitou isso. Ele não tinha depressão, não que eu soubesse, também não tomava remédio para essa doença. O remédio que ele usava era para déficit de atenção. Henrique era um jovem que estava estudando para concursos, que exercia a profissão de advogado. Não morávamos juntos, mas eu tinha a chave da casa dele e várias vezes por semana passava por lá. Muitas delas, ele não estava em casa. Eu dava uma arrumada no apartamento e deixava sempre uma comida pronta para ele, ele adorava. Senti falta dele porque passei mensagem pelo telefone e ele não respondeu e não visualizou, por um dia inteiro. Como já havia ido à casa dele e tentado ligar sem retorno, ao ver a imagem das câmeras com ele saindo do prédio em que morava, começamos a procurar por ele. Foram muitos dias sem notícias, até que o pior aconteceu. Eu não tive coragem de ver as imagens, minha filha viu, disse que as câmeras mostram o Henrique descendo do carro de aplicativo em direção a mureta da Terceira Ponte. Depois disso, não há mais nada de imagens, era um ponto cego. Uma testemunha que vinha atrás do carro do aplicativo, além do motorista que ele acionou, confirmaram que Henrique se jogou. Me pergunto o por que não percebi que algo estava errado, ou porque ele não me contou? Eu iria o ajudar incondicionalmente, seja lá o que fosse, sou mãe. O corpo do meu filho nunca foi encontrado, queria ao menos isso, enterrar meu menino. Existe um preconceito enorme em relação ao suicídio, culpam a pessoa, culpam a família. Em Nova Venécia me senti amparada, só tenho a agradecer. Não me sinto culpada, fiz tudo pelos meus filhos. Mas sinto que se eu tivesse mais familiarizada com o assunto, talvez eu pudesse o ajudar, não sei. A dor de perder um filho é imensa, e para quem perde para o suicídio, a batalha interna e de dúvidas, é maior ainda. Queria que ele tivesse me procurado, aliás, no dia que ele tirou a vida, ele estava vindo para minha casa, destino final que nunca aconteceu. Fica agora a saudade, o buraco, a difícil vida de seguir em frente, sem a presença de quem veio ao mundo do meu ventre. Perder um filho é te arrancar pedaços. Creio que a informação pode evitar muitas famílias a passar pelo que estou passando, pode prevenir. Outra medida que pode salvar vidas em Vitória é colocar a proteção na Terceira Ponte. O médico me disse que meu filho pode ter tido um surto, se tivesse uma contenção ali, quem sabe ele não teria pulado e teria chegado à minha casa. Teria dado tempo de salvá-lo. As autoridades precisam entender que podem evitar que mães passem pelo que estou passando, que não pense em dinheiro, é a vida que está em jogo. A única saída que tenho para acordar todo dia e levantar da cama, é mergulhar no trabalho. A pintura tem me ajudado a lidar com essa dor na alma; meu coração chora todos os dias, e eternamente”
Maria Toscano, artista plástica

O mais alegre da casa, se foi!
“Meu filho era o mais alegre da casa, o mais carinhoso, o mais divertido. Tinha um coração enorme, era brincalhão, um menino muito bom. A depressão, a perda do emprego e fatos da rotina, contribuíram para que ele não ficasse aqui mais. O Cleber estava morando comigo, estava separado há pouco tempo. Entre idas e vindas a psiquiatras, ele parecia estar levando a sério o tratamento. Cleber estava fazendo uso de medicamentos mais fortes, que não podia ingerir álcool. No dia em que ele tirou a vida, o chamaram para uma festa durante o dia, ele foi e disse que não iria beber. Quando chegou a noite, ouvi gritos, ele com um pau na mão e dizendo que iria matar alguém. Não tinha ninguém, o Cleber estava tendo alucinações e acho que foi devido ao uso de remédio e álcool. Depois de jantar, encontrei meu filho com uma corda na mão e dizendo que iria se matar. Tomei dele, em outra ocasião, ele já tinha dito isso, mas nunca acreditei. Naquele dia nós rezamos juntos ajoelhados no quarto dele e ele foi deitar. Pouco depois ouvi um barulho, já era tarde, ele havia se enforcado. Não me sinto culpada, sempre fui uma mãe presente e amorosa. Mas já me culparam, gente de dentro da igreja também já veio me dizer que meu filho está na escuridão, que não encontrou a paz e que está sofrendo. Enfrentar as dores da perda de um filho e ouvir isso de pessoas de dentro da igreja, é dilacerador. Nenhuma mãe supera a morte de um filho, a gente aprende a conviver com a dor, com a saudade. Um menino grande, com 1,88 metro, alegre, ser levado por conta dessa doença invisível para muitos, é de enlouquecer. Só que eu tenho Deus comigo, que segura a minha mão, que me faz levantar todos os dias e me faz respirar e seguir. Se eu tivesse mais informação, talvez poderia ter feito tudo diferente e salvado meu menino. Hoje tenho muito conhecimento sobre o suicídio, sobre a depressão, antes tinha, mas era menos. Ainda guardo a roupa do meu filho, está tudo no quarto, às vezes dou algo. Tenho as fotos dele, é para matar a saudade, que na verdade, é ela que vai acabando com a gente. No lugar onde ele se enforcou, achamos um terço e o crucifixo no dia seguinte, ele estava segurando esses objetos. Tão lindo, um menino tão carinhoso, não era para ter ido embora”
Tereza Bulian da Silva, aposentada

A mãe que deixou duas filhas
“Minha mãe morreu ano passado, tomou soda cáustica. Eu acho que ela não queria fazer isso. Ela ficou dois meses internada após ingerir isso e confessou que não queria se matar, que queria viver. Infelizmente, não foi o que aconteceu, aos 37 anos ela se foi. Ficamos minha irmã e eu, ela hoje com 12 anos e eu 17. Nunca soube que minha mãe estava com depressão, se ela falou, foi com outras pessoas, comigo não. Também não vi nenhum sintoma ou sinal. Ela não se abria, e eu acho que era muito nova para lidar com tudo isso. O que sei é que um dia antes de tomar a soda cáustica, ela escreveu em uma rede social que iria se matar. Uma amiga viu e me alertou, não passou pela minha cabeça que ela faria isso realmente. Na noite anterior, minha mãe fez a janta para mim e para minha irmã, e avisou que seria a última vez, mas não acreditei porque ela falou em um momento de atrito entre ela e minha irmã, coisa pequena, normal. Quando a Júlia (irmã) nasceu, mamãe teve depressão pós-parto, eu era nova, só fiquei sabendo depois que cresci um pouco, mas ela nunca me falou nada sobre esse episódio, fiquei sabendo que numa época ela se jogou da ponte aqui também. Após a morte dela, achei guias médicas constando que ela estava com depressão. Ela morreu no Dia Das Crianças, deixou saudade. A Júlia foi morar no interior com minha avó e eu fiquei com meu avô na cidade. Minha mãe seguia na igreja, não sei porque ela fez isso. Não tive como evitar, eu não sabia de nada e muito menos tinha idade para tanta coisa. Eu trabalhava, saí do emprego, não soube lidar com a perda dela. Estou só estudando agora. Antes de ir embora, enquanto estava no hospital, ela escreveu no papel e nos pediu perdão, ela não queria morrer”
Isabela Kiefer, estudante

Dados da OMS
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, 90% dos casos de suicídio podem ser prevenidos, desde que existam condições mínimas para o acesso à ajuda profissional ou voluntária, seja em caráter público ou privado. A primeira medida preventiva é aprender mais sobre o assunto. É preciso deixar de ter medo de falar sobre suicídio, derrubar os tabus e compartilhar informações apropriadas ligadas ao tema. A OMS ainda contabiliza que aconteça um milhão de suicídios por ano em todo mundo, com taxas que variam de menos de 10 a 25 óbitos a cada 100 mil habitantes. Segundo ainda a Organização, 300 milhões sofrem do transtorno no planeta; estigma ainda impede buscar por ajuda. Mais de 50% das pessoas que cometeram o suicídio, tinha depressão. Há pesquisas que relatam que o suicídio ocupa o segundo lugar de causa de morte de jovens entre 14 a 29 anos. OMS estima que em 2020, 1,53 milhões de pessoas no mundo morrerão por suicídio.
Em Nova Venécia
De acordo com a assistente social do Centro de Atenção Psicossocial (Caps), de Nova Venécia, Lucia Possebon da Silva Damaceno, o local atende atualmente 190 pacientes com intenção suicidas ou que já tenham tentado o ato. Já com depressão leve, moderada e ansiedade, o número é de 741 pacientes.
Já as estatísticas da Vigilância Sanitária no Município apontam que em 2018, ocorreram 106 tentativas notificadas de suicídios.


André Fagundes, secretário Municipal de Saúde
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