segunda-feira, maio 20, 2024
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Entenda por que tratamento do câncer de pulmão no SUS é desigual e está defasado em 10 anos

Pesquisa apresentada no 14º Fórum Nacional Oncoguia evidenciou, entre outros resultados, a desigualdade regional em relação à disponibilidade de terapias contra o câncer pelo SUS

*Luciana Holtz de Camargo Barros, Instituto Oncoguia; Fernando Moura, Instituto Oncoguia e Helena Neves Esteves, Instituto Oncoguia

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O artigo a seguir aborda um dos assuntos discutidos durante o 14º Fórum Nacional Oncoguia, que se dedica à análise das barreiras que limitam o acesso dos pacientes ao diagnóstico e à assistência oncológica em nosso país. Durante os dias 8 e 9 de maio, o evento reúne no Teatro Tucarena, em São Paulo, profissionais da saúde, ativistas, pacientes e representantes de órgãos e entidades de destaque relacionadas ao câncer para discutir o cuidado oncológico no Brasil e no mundo. A iniciativa é promovida pelo Instituto Oncoguia, instituição focada no suporte e defesa dos direitos de pacientes oncológicos.

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Novo estudo realizado pelo Instituto Oncoguia comparou os tratamentos ofertados no Sistema Único de Saúde com as diretrizes nacionais e internacionais para cinco tipos de câncer (mama, próstata, colorretal, pulmão e melanoma).

A pesquisa “Meu SUS continua diferente do seu SUS?”, divulgada na abertura do 14º Fórum Nacional do Oncoguia, na quarta-feira dia 8, em São Paulo, buscou identificar padrões e diferenças no tratamento oferecido pelos hospitais oncológicos do SUS para pacientes em todo o país.

Trata-se de uma nova versão do estudo “Meu SUS é diferente do seu SUS”, conduzido pelo próprio Instituto Oncoguia e divulgado em 2017. Será que, sete anos depois da primeira pesquisa, conseguimos ter protocolos de tratamento mais atuais para enfrentar o câncer na rede pública?

Dos 318 hospitais que tratam o câncer pelo SUS, entramos em contato com 268 distribuídos por todo o país. Desse conjunto, 95 hospitais responderam a pesquisa, sendo que 64 forneceram informações suficientes e satisfatórias para serem analisadas. No estudo anterior, de 2017, tivemos resposta de 52 hospitais.

Vale destacar que todos os hospitais consultados no Amazonas, Amapá, Pará, Roraima, Tocantis e Distrito Federal responderam ao nosso chamado. O oposto aconteceu em relação ao Acre, Mato Grosso e Pernambuco, que não enviaram informações.

A análise criteriosa dos dados obtidos sobre os cinco tipos de câncer está em andamento, mas já é possível divulgar os primeiros resultados referentes ao câncer de pulmão.

O tumor é o 4º mais incidente no país, porém figura em primeiro lugar em número de mortes, de acordo com dados do Instituto Nacional de Câncer (INCA).

O desafio de padronizar

As informações enviadas por 43 hospitais sobre os tratamentos sistêmicos (quimioterapia, imunoterapia e terapias-alvo) para o câncer de pulmão foram comparadas com três documentos de referência.

Optamos por pedir dados sobre essas modalidades de tratamento, e não de cirurgias ou radioterapia, porque a terapia sistêmica é mais facilmente reprodutível nas Unidades de Alta Complexidade (UNACON) ou Centros de Alta Complexidade em Oncologia (CACON) da rede pública.

Nós comparamos os protocolos compartilhados pelos hospitais com três documentos de referência: as Diretrizes Diagnósticas e Terapêuticas (DDTs) do Ministério da Saúde, a Lista de Medicamentos Essenciais da Organização Mundial da Saúde (OMS) e a escala usada pela Sociedade Europeia de Oncologia Médica (conhecida pela sigla ESMO, em inglês) para categorizar medicamentos oncológicos pelo seu benefício clínico e efetividade, a ScoreCard MCBS.

Primeiramente, vimos que a conformidade desses protocolos com as DDTs do Ministério da Saúde e com as diretrizes da OMS e da ESMO variou consideravelmente. A padronização ainda é um desafio.

Para se ter ideia, apenas 22 hospitais com protocolos para câncer de pulmão que participaram da pesquisa conseguem oferecer 100% do tratamento preconizado pela DDT. O mesmo ocorre em relação à Lista de Medicamentos Essenciais da OMS.

Quase nenhum hospital (98%) conta com a oferta de imunoterapia, abordagem considerada central no enfrentamento da doença nos dias atuais. Ela é feita com medicamentos biológicos que estimulam o sistema imune de diversas maneiras para combater infecções e o câncer.

Outra constatação preocupante foi que 51% dos hospitais respondentes não oferecem os medicamentos erlotinibe e gefitinibe, destinados a pacientes com mutações EGFR (de ativação do receptor de fator de crescimento epidérmico tirosina quinase) e foram incorporados ao SUS em 2013, sendo recomendados na DDT.

Ambos pertencem ao grupo das terapias-alvo, que são substâncias endereçadas a receptores específicos nas células do câncer.

Além da falta de uniformidade na oferta de medicamentos, o estudo do Oncoguia destacou o impacto da desatualização da Diretrize Diagnósticas e Terapêutica do Ministério da Saúde para o tratamento do câncer de pulmão.

Atualizada em 2014, a DDT para pulmão, não inclui diversos tratamentos desenvolvidos na última década, como novos medicamentos em imunoterapia e terapias-alvo. Por serem mais direcionados, essas terapias geram menos internações, menores taxas de recidiva e de complicações, trazendo maior benefício clínico, tempo de vida e qualidade de vida aos pacientes.

Casos avançados

Ao analisar a disponibilidade de imunoterapia e terapia-alvo, nosso estudo viu que apenas 4% dos hospitais respondentes contam com medicamentos recomendados pela Sociedade Europeia de Oncologia Médica (ESMO) para o tratamento de câncer de pulmão avançado.

Nenhum hospital participante do estudo apresenta o medicamento crizotinibe, por exemplo, entre as opções terapêuticas contidas em seus protocolos. A medicação é destinada a casos avançados de câncer de pulmão com mutação no gene ALK e foi incorporada ao SUS pelo Ministério da Saúde em 2022. Como constatou o nosso levantamento, ainda não está disponível.

Quanto aos medicamentos usados em quimioterapia, 38% dos hospitais respondentes não oferecem os tratamentos classificados como mais efetivos para os pacientes de acordo com a lista da ESMO.

A conclusão é que estamos usando parâmetros antigos e fracos como recomendação ou padrão para tratar os pacientes.

Mais um ponto crítico evidenciado pela pesquisa é a desigualdade regional em relação à disponibilidade de tratamentos. Na região Centro-Oeste, por exemplo, nenhum hospital participante da pesquisa dispõe das terapias sistêmicas mais atuais.

Além das dificuldades de financiamento, a falta de acesso a esses medicamentos já aprovados para uso no SUS ocorre também ocorre porque a incorporação dessas drogas não foi acompanhada das adequações necessárias.

Não houve, entretanto, uma atualização do valor de reembolso para o tratamento da doença, que é de alta complexidade, e nem a reorganização das diretrizes do cuidado oncológico. Isso inviabiliza a oferta de novas opções terapêuticas no sistema público.

Embora existam avanços em termos de documentação e disponibilidade de informações, a falta de acesso a medicamentos e terapias atualizadas e as desigualdades regionais continuam sendo um desafio significativo.

Para garantir um tratamento mais justo e igualitário, é essencial que as diretrizes e protocolos sejam atualizados regularmente para refletir as melhores práticas e evidências disponíveis.

Medidas urgentes precisam ser adotadas para reduzir as disparidades existentes e garantir que os pacientes, independentemente de sua origem socioeconômica, tenham acesso a tratamentos de qualidade e equitativos.

A saúde de milhares de brasileiros depende disso.


The Conversation

Luciana Holtz de Camargo Barros, Psico-oncologista, especialista em Bioética e Health Literacy, Instituto Oncoguia; Fernando Moura, Doutor em Ciências pelo INCOR/FMUSP, membro do Comitê Científico, Instituto Oncoguia e Helena Neves Esteves, Cientista política, coordenadora de advocacy e pesquisadora, Instituto Oncoguia

This article is republished from The Conversation under a Creative Commons license. Read the original article.

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