segunda-feira, maio 20, 2024
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O que está por trás da grave crise na segurança pública no Equador

Onda de violência levou o presidente Daniel Noboa a decretar estado de exceção e mobilizar as Forças Armadas

*Thiago Rodrigues, Universidade Federal Fluminense (UFF) / The Conversation

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O que acontece, afinal, no Equador? Pouco conhecido entre nós, o pequeno país andino passou a figurar no noticiário nacional desde agosto de 2023 quando, às vésperas do primeiro turno das eleições presidenciais, um dos candidatos, Fernando Villavicencio, foi brutalmente assassinado.

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As investigações iniciais indicaram que o político, conhecido pela retórica antinarcotráfico, teria sido morto por ordens de José Adolfo Macías Villamar, o “Fito”, líder dos Choneros, principal grupo traficante equatoriano. O assassinato teria sido um recado a todos os presidenciáveis: o novo governo não poderia alterar a lógica de funcionamento do crime organizado no país.

Fito negou ser o mandante do crime, mas a morte de Villavicencio alterou drasticamente o rumo das eleições. Candidatos tidos como favoritos perderam votos e o segundo turno acabou sendo entre a candidata apoiada pelo ex-presidente Rafael Correa – Luisa González – e o jovem empresário Daniel Noboa. Surpreendendo analistas e desmentindo as pesquisas eleitorais, Noboa venceu com 52% dos votos.

Noboa pertence a uma das famílias mais ricas e influentes do Equador, proprietária da maior exportadora de bananas do país. Em 2006, o pai de Daniel, Álvaro, tentou a Presidência, perdendo para Correa. Sem qualquer experiência na gestão pública, Daniel fez campanha dizendo-se um “não político” e um “gestor eficiente” – argumentos conhecidos de Trump a Milei. No entanto, o item fundamental para a sua vitória foi a promessa de aumentar a repressão ao crime organizado e dificultar a vida dos chefes de facções criminosas presos no país.

Pouco depois de assumir, Noboa tomou as primeiras medidas para dificultar o acesso a visitas e para isolar os líderes do narcotráfico em prisões de segurança máxima. Não demorou para que as reações viessem. No último dia 7 de janeiro, “Fito” escapou da prisão de Guayaquil. Dois dias depois, foi Fabricio Colón Pico – conhecido como “Capitão Pico” – quem escapou do presídio de Riobamba, resgatado por um comando fortemente armado do seu grupo, Los Lobos.

No dia seguinte às fugas, Noboa decretou “estado de exceção”, e em 9 de janeiro afirmou que o país enfrentava um “conflito armado interno”. No documento presidencial n. 111, intitulado “Exposição de Motivos”, Noboa justificou a imposição de medidas previstas pela Constituição – como o toque de recolher e a suspensão de alguns direitos civis – por identificar um processo de ameaça ao Estado e à sociedade equatorianas. O presidente classificou 22 quadrilhas de narcotraficantes como “grupos terroristas” e autorizou que as Forças Armadas interviessem para restabelecer a ordem no país.

Com isso, o Equador segue os passos de outros países latino-americanos – como México, Colômbia, Guatemala, El Salvador e Peru – alinhando-se definitivamente à fórmula básica do combate ao narcotráfico conhecida como “guerra às drogas”. Lançada e apoiada militar e financeiramente pelos Estados Unidos desde os anos 1970, a “guerra às drogas” aposta na repressão militarizada como meio para acabar com o tráfico. As Forças Armadas, assim desviadas das suas funções tradicionais de defesa contra ameaças estrangeiras, tornaram-se “tropas de choque” para o combate ao crime organizado.

“Efeito balão”

É importante, porém, reparar nas contradições fundamentais da “guerra às drogas” e como elas estão visíveis no Equador de hoje. O modelo militarizado de combate ao narcotráfico jamais chegou próximo da sua meta oficial de “destruir” o tráfico de drogas. As décadas de war on drugs provocaram o que a literatura especializada denomina de “efeito balão”: quando a repressão endurece em um país ou região (uma ponta do balão/bexiga é apertada), as atividades do narcotráfico se deslocam para outros espaços (a outra ponta da bexiga infla).

O multibilionário negócio das drogas ilegais, quando confrontado com a repressão, não se enfraquece, mas se aprimora e sofistica. Os “peixes pequenos” são eliminados, enquanto os “peixes grandes” crescem ainda mais, se internacionalizam e passam a influenciar a política e a economia de muitos países.

O Equador não é um país estranho ao narcotráfico. Incrustado entre os dois maiores produtores mundiais de cocaína – Colômbia e Peru –, a pequena nação andina tem sido há décadas parte dos movimentos transnacionais do tráfico de drogas. No entanto, os últimos 15 anos trouxeram novidades.

A primeira foi o enfraquecimento relativo dos grupos narcotraficantes colombianos após o Plano Colômbia e o Plano Patriota, somado à desmobilização das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). O segundo foi o aumento da repressão militarizada no México, na América Central e no Caribe apoiada pelos EUA com a Iniciativa Mérida e suas derivações. Com as rotas da cocaína e da heroína para os EUA via Caribe e América Central dificultadas, entrou em funcionamento o “efeito balão” buscando alternativas.

E o Equador reunia características suficientemente interessantes para atrair os grandes grupos narcotraficantes internacionais. As fronteiras com Colômbia e Peru, dominadas por densa floresta amazônica e altos picos andinos, tornaram-se rotas atrativas para o escoamento de drogas ilegais. O país conta ainda com portos movimentados na costa do Pacífico, como os de Guayaquil e Manta, por onde escoam a cocaína e a heroína para a Ásia e para os EUA.

A rota para a Ásia leva cocaína e traz insumos químicos para a produção de drogas sintéticas que são a mais rentável face do atual mercado ilegal nos EUA. Por fim, a economia equatoriana é dolarizada desde o ano 2000 – o que facilita a lavagem de dinheiro e a ocultação das fontes de renda –, enquanto o caráter neoliberal dos governos desde Lenín Moreno (2017-2020) facilitou as transferências internacionais de capital, fato celebrado pelo crime organizado.

O aumento do interesse do narcotráfico internacional pelo Equador atraiu a atenção dos mais fortes grupos do momento: os mexicanos. Cartéis como os de Sinaloa e o Jalisco Nueva Generación buscaram aliados locais. O primeiro se associou aos Los Choneros – de Fito Macías –, o segundo aos Los Lobos, de Capitán Pico. Assim, a partir de 2017, o aumento da competição pelo Equador fez a violência explodir no país.

Isso acontece sempre que um mercado ilegal novo se abre: rotas são disputadas, territórios são cobiçados. Tudo isso para garantir maior fluxo de drogas e outros produtos ilegais e, com isso, mais rentabilidade.

Aumento da violência

Se a competição é grande, os grupos se preparam para ela. Mais armas ilegais são vendidas, mais violência é utilizada, incluindo as mais macabras formas de execução, como decapitações, esquartejamentos e linchamentos, muitas postadas na internet ou realizadas publicamente com o objetivo de intimidar os oponentes, os governos e a sociedade civil. Assim, no Equador, as taxas de homicídio cresceram abruptamente. Em 2017 eram 5,6 pessoas assassinadas por 100.000 habitantes. Em 2023, o número saltou para 42 pessoas por 100.000, colocando o país no lugar de mais letal do mundo.

Após as fugas de “Fito” e de “Pico”, ocorreram atentados que incluíram a explosão de um carro-bomba em Quito e a invasão de um canal de TV em Guayaquil durante um telejornal ao vivo. Ações como estas costumam ter o objetivo de intimidar o governo para evitar mudanças como as que Noboa anunciou.

Ao decretar “estado de exceção”, Noboa mobilizou termos poderosos. Qualificou os ataques de “atos terroristas”, identificou uma “decomposição institucional” do Estado e defendeu a “necessidade de recuperar o controle territorial e a soberania em matéria de segurança”. Expressões como estas justificam uma “declaração de guerra” e, com isso, o emprego das Forças Armadas. A população, em pânico, apoiou as medidas.

Este roteiro não é muito diferente do de outros países latino-americanos que declararam “guerra ao narcotráfico”. O aumento das atividades do crime organizado gera uma comoção nacional, o governo decreta medidas de exceção, as Forças Armadas são utilizadas, os EUA apoiam com dinheiro e inteligência, a violência explode, o “efeito balão” é ativado e um país próximo passa a ser a “bola da vez”. Então, neste novo país, o processo se reinicia. A “bola da vez”, agora, é o Equador.

O que acontecerá? A ciência e o bom senso indicam que quando medidas semelhantes são tomadas para enfrentar problemas semelhantes em contextos análogos, é de se esperar resultados parecidos. Isso significa que o Equador de hoje é efeito da combinação entre fatores internos e fatores da dinâmica internacional da economia política do narcotráfico somada à lógica repressiva da “guerra às drogas”. Desse modo, o que se avizinha para os equatorianos não é nada auspicioso.

Se a política repressiva de Noboa conseguir neutralizar os grupos menos importantes, o “estado de exceção” será uma medida que ajudará a concentrar o poder do narcotráfico no país nos “peixes grandes”. Haverá um novo equilíbrio de forças temporário entre os maiores grupos narcotraficantes e o Estado. Lucratividades estarão garantidas, rotas e territórios estarão demarcados. Com isso, a violência explícita dos últimos tempos deve diminuir.

Noboa, então, deverá cantar vitória e pode, até mesmo, ser reeleito presidente em fevereiro de 2025, mas as engrenagens e estruturas do narcotráfico continuarão girando à espera de novas oportunidades de negócio e um novo ciclo de expansão e de violência. Trágica é a vida na América Latina.The Conversation

*Texto escrito por Thiago Rodrigues, Professor de Relações Internacionais, Universidade Federal Fluminense (UFF)

Este artigo foi republicado de The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original.

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